Declaro o dia três de outubro de 2007 como o último dia do ano.

Eu simplesmente não conseguia tirar meus olhos das mãos da Joanna Newsom. De vez em quando passeava meus olhos pelos seus cabelos, pelas cordas vermelhas e pela sua postura. Mas voltava às suas mãos. Harpa. Ela toca uma harpa com a facilidade que eu digito "tranca" ou "buraco" no teclado de um computador. Na maior parte do show suas mãos tocam a harpa calmamente. dedilhando sem parar mas sem pressão ou pressa, as duas mãos, todas as duas. De vez em quando ela acelera um dedilhado e parece que os bancos sobem um degrau. Queria ficar naquela postura, mas não conseguia parar quieto. Umas dez vezes durante todo o show ela dedilhou só com uma mão, a outra descansava no ar. Dai eu olho pro meu colo, e de relance vejo meus dedos compridos incapazes de segurar uma xícara de café sem tremer, incapazes de segurar uma mão. Olho pro palco novamente e ela está tocando "Sadie".

"Bless you
and I deeply do
no longer resolute
and I call to you

But the water got so cold,
and you do lose
what you don't hold.

this is an old song
these are old blues
and this is not my tune
but it's mine to use"

Se a Joanna Newsom sabe que ser original é impossível, por quê todos ainda tentam? Antes do show, acho que imaginei algo de outro mundo e nisso fiquei decepcionado. Porque aquilo ali não eram mãos de elfa, como seu cabelo era. Nem sei o que é uma elfa. E não estou tentando romantizar nada, como tentei antes do show. Tanto não estou que não falo do que senti, só do que vi e ouvi. E a única sensação que bateu em mim quando deitei minha cabeça no meu sofá-cama foi de que o ano acabou. Porque ele não é meu, mas, você sabe... eu digito "tranca" e "buraco" como ninguém.